Acordos que custam caro nos relacionamentos
- Kátia Silva
- 28 de jan.
- 3 min de leitura
Entender não significa que não vou ficar de coração partido.
Conviver é trazer a minha vida e a sua vida para um lugar comum. Lugar este de encontros e desencontros, e, por mais complementares e perfeitas que algumas relações possam parecer, não podemos cair na inocência de acreditar que todos os acordos sejam leves.

Claro que o “felizes para sempre” é a meta, que a sociedade inabalável de uma amizade longeva é um desejo, o respeito, a obediência e o acolhimento são o esperado nas relações fraternas. Mas todos esses são resultados; são aquilo que nossa sociedade tem se embriagado nos últimos tempos: resultados. Na busca desses resultados nos afastamos do processo real, que inclui desafios, ajustes e a convivência diária.
As tarefas repetitivas e até aparentemente insignificantes podem ser comparadas a passos dados em uma caminhada. Esses passos, embora simples, são essenciais para atingir o destino desejado. Ou seja, a importância está nas pequenas ações cotidianas que, muitas vezes, são negligenciadas, mas são elas que sustentam o relacionamento e o tornam verdadeiro e significativo.
Vivemos em nossas relações, seja ela qual for, com olhares voltados para o desejo e fixos naquilo que gostaríamos que ela representasse. Essa é a desconexão que muitas pessoas têm com a real construção dos relacionamentos. Encontram-se focadas apenas em suas expectativas de resultados, ao invés de valorizar e compreender as etapas menores e contínuas que formam uma base sólida e duradoura.
Talvez o passo, por parecer tão pequeno e aparentemente insignificante, seja facilmente desconsiderado, assim como nossas dificuldades e até algumas habilidades. Deixamos de perceber, nos encontros que vivemos, se aquele "um" nos permite realmente expressar o melhor de nós ou não. Se ele nos exige paciência, nos provoca a reflexão, nos leva a questionar convicções que antes pareciam inabaláveis, gerando incertezas sobre tudo o que antes julgávamos certo. Digo “pareciam certos” porque é assim que os resultados se apresentam: vou para a França, por exemplo — parece ser a escolha certa. Mas entre ir para a França e deixar onde estamos, existe o caminho — aquele que muitas vezes ignoramos, esquecendo das pequenas etapas que o compõem. Nos relacionamentos, a presença do outro, que não sou eu, torna-se a lupa que revela a importância dessas etapas. Sob essa lupa, nada escapa, pois a convivência entre o meu e o seu, o pouco de cada um, vai desmascarando as faltas. Sozinhos, podemos até negar as ausências, os tropeços, as dívidas, mas na presença do outro, isso se torna impossível de ignorar.
Sabe, a incerteza é o alicerce de muitas das nossas dores. Arrisco dizer que é a raiz da maioria das feridas do coração. Um coração ferido é um coração que perdeu a certeza. Por isso, alguns acordos realmente custam caro, pois trazem a sensação de perda para um dos parceiros — geralmente para aquele que precisa reavaliar sua visão sobre a convivência.
Essa ruptura pode surgir de uma conversa sincera, quando um tem mais clareza do que o outro, ou de um evento externo que obriga ambos a reconsiderar as expectativas que têm em relação à vida a dois. De novo, uma expectativa frágil é aquela que está centrada no resultado, enquanto uma expectativa mais saudável é aquela que coloca o resultado em perspectiva, ajustando o foco para o processo.
Fácil? Com certeza, não é.
Compreender a necessidade de revisar nossa forma de estar no relacionamento traz algum entendimento, sim. No entanto, chegar a essa compreensão não significa que o coração deixa de estar partido.
Há uma dor no entendimento, assim como há na aceitação da perda do que queremos de imediato. É preciso passar pelo luto para, então, seguir em frente. E, ao seguir, é necessário aproveitar a jornada, respeitar o tempo e as regras, e, principalmente, aceitar o que não podemos ter.
Esse texto traz uma reflexão muito profunda sobre a construção dos relacionamentos e a importância de valorizar o processo, não apenas os resultados. Gostei especialmente da metáfora dos pequenos passos como sustentação de algo significativo — muitas vezes negligenciamos o cotidiano, buscando grandes marcos que parecem definir tudo. A lembrança de que a convivência revela nossas faltas e nos provoca a repensar certezas ressoa bastante com o que muitos vivem. Parabéns por trazer um olhar tão realista e sensível sobre os desafios dos acordos que fazemos na vida a dois. É uma leitura que gera reflexão e identificação..
Texto incrível!
Reflexão muito interessante! Realmente devemos olhar mais para nós mesmos quando as expectativas se desencontram, entender que as vezes o que te incomoda no outro é que ele te faz ver uma parte de você que você não gosta ou não quer assumir!
Texto maravilhoso